Reportagem do Correio flagra dois homens, com cinco cartões vale-transporte nas mãos, vendendo o crédito por até metade do preço na Rodoviária do Plano Piloto. Em menos de 10 minutos, a transação foi realizada 15 vezes.
O cartão vale-transporte entregue às empresas pela Fácil — responsável pela administração do sistema de bilhetagem no Distrito Federal — passou a ser uma fonte de dinheiro para aproveitadores. Quem tem direito ao benefício repassa e vende o crédito disponível por até metade do preço. O esquema não se limita à entrega do cartão para um conhecido ou familiar, e chegou às páginas da internet e às rodoviárias do DF. Na última quinta-feira, a equipe do Correio esteve na Rodoviária do Plano Piloto e flagrou dois homens com cinco cartões de pessoas diferentes nas mãos, oferecendo passagem R$ 0,50 mais barata na fila de espera para usuários do transporte público.
A negociação ocorreu nas plataformas de embarque para São Sebastião, com trajeto pela Ponte JK. Os homens — um deles identificado como Paulo — abordavam as pessoas apresentando a vantagem de um custo menor para viajar. Em apenas um cartão, o saldo era de R$ 1 mil. A quantia tinha sido acumulada em razão da falta de uso de vales diários aos quais o passageiro tem direito. O valor do crédito e o nome do beneficiário estavam escritos em um adesivo pregado no cartão ao qual o Correio teve acesso.
A reportagem entrou no ônibus de linha 104.1 e observou todo o esquema. Em menos de 10 minutos, o mesmo vale-transporte foi utilizado por 15 vezes. O comprador passava o bilhete eletrônico na leitora automática e, após rodar a catraca, entregava o cartão para a pessoa de trás e assim por diante. O último da fila estava encarregado de devolver o vale ao vendedor pela janela do coletivo. Enquanto isso, o outro vendedor continuava o mesmo processo na fila para embarque. “A Fácil não tem como tirar o crédito da pessoa, não. Pode ficar tranquila. Se você conhecer alguém que tenha crédito sobrando, pode falar para ela me ligar”, explicou o homem que usava camisa laranja, ao lado do colega, de camisa social verde-escuro.
Questionado como era feito o esquema, Paulo disse que o interessado repassava o vale transporte para ele revender os créditos. O acordo é devolver o cartão ao dono no fim do mês e pagar 50% do benefício acumulado. Ou seja, se um cartão tem R$ 1 mil de saldo, o responsável pela venda ficará com R$ 500 e dará os outros R$ 500 ao beneficiário. “Não tem risco. A gente tem o telefone de todo mundo e depois é só marcar para devolver”, explicou. O esquema é feito à vista de todos, sem nenhuma fiscalização por parte das empresas de ônibus.
Duas versões
Já dentro do ônibus, o passageiro devolve pela janela o vale transporte , que será utilizado por vários outros compradores na sequência
O Correio entrou em contato com a Central de Atendimento da Fácil para verificar a legalidade da transferência do crédito. Supondo ter R$ 400 acumulados, a reportagem questionou como poderia recuperar o dinheiro, já que não mais precisaria do benefício. Em resposta, uma atendente disse: “Você não tem o que fazer, só pode gastar no ônibus. Uma vez depositado com o número do seu CPF, não há como transferir o crédito. Nós também não podemos reembolsar em dinheiro. Com o Cartão Cidadão é a mesma coisa”.
O procedimento para uso do cartão vale-transporte, entretanto, é diferente. Segundo atendentes da Fácil, apenas o crédito é intransferível. “Ele não pode ser repassado para uma outra pessoa, para um outro cartão. Agora, no caso do cartão físico, ele é de responsabilidade do dono. Então, se ele quiser vender, doar, passar o cartão para outra pessoa usar, ele é quem decide. Mas, em caso de roubo, apenas o proprietário poderá pedir o bloqueio”, justificou.
Segundo a assessoria de imprensa do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), a legislação diz claramente que a venda de vale-transporte é ilegal, entretanto não existe uma regulamentação jurídica para tratar o assunto no sentido de estabelecer que tipo de infração a pessoa cometeu. Não há ainda uma conduta firmada no âmbito da fiscalização.
Questionado sobre o problema, o gerente da Fácil, Júlio Antunes, ao contrário do que informaram as atendentes pelo telefone, confirmou que o cartão é pessoal e intransferível. Ele explicou que a empresa faz a compra na Fácil para o funcionário, de acordo com a quantidade de viagens que ele teria de pagar para ir ao trabalho.
O benefício é depositado todo o mês pelo empregador. Se o funcionário não gastou tudo, ele não tem opção de vender para terceiros. “Fazemos relatório mensalmente e bloqueamos os cartões quando identificamos a irregularidade. Além disso, abrimos processo administrativo e informamos às empresas”, disse ele. Antunes garantiu que a Fácil tem controle dos cartões e de quantas vezes eles são passados na leitora eletrônica do coletivo. Segundo ele, a pessoa que entregou o vale transporte a terceiros pode perder o benefício. Quem comprou pode ainda ser acusado de furtar o cartão, mas o gestor da Fácil disse que casos assim “são remotos”. Antunes afirma que a fiscalização das empresas — a mesma que verifica horário de chegada e saída dos ônibus nas rodoviárias — deve coibir esse tipo de ação.
Memória
O cartão vale-transporte entregue às empresas pela Fácil — responsável pela administração do sistema de bilhetagem no Distrito Federal — passou a ser uma fonte de dinheiro para aproveitadores. Quem tem direito ao benefício repassa e vende o crédito disponível por até metade do preço. O esquema não se limita à entrega do cartão para um conhecido ou familiar, e chegou às páginas da internet e às rodoviárias do DF. Na última quinta-feira, a equipe do Correio esteve na Rodoviária do Plano Piloto e flagrou dois homens com cinco cartões de pessoas diferentes nas mãos, oferecendo passagem R$ 0,50 mais barata na fila de espera para usuários do transporte público.
A negociação ocorreu nas plataformas de embarque para São Sebastião, com trajeto pela Ponte JK. Os homens — um deles identificado como Paulo — abordavam as pessoas apresentando a vantagem de um custo menor para viajar. Em apenas um cartão, o saldo era de R$ 1 mil. A quantia tinha sido acumulada em razão da falta de uso de vales diários aos quais o passageiro tem direito. O valor do crédito e o nome do beneficiário estavam escritos em um adesivo pregado no cartão ao qual o Correio teve acesso.
A reportagem entrou no ônibus de linha 104.1 e observou todo o esquema. Em menos de 10 minutos, o mesmo vale-transporte foi utilizado por 15 vezes. O comprador passava o bilhete eletrônico na leitora automática e, após rodar a catraca, entregava o cartão para a pessoa de trás e assim por diante. O último da fila estava encarregado de devolver o vale ao vendedor pela janela do coletivo. Enquanto isso, o outro vendedor continuava o mesmo processo na fila para embarque. “A Fácil não tem como tirar o crédito da pessoa, não. Pode ficar tranquila. Se você conhecer alguém que tenha crédito sobrando, pode falar para ela me ligar”, explicou o homem que usava camisa laranja, ao lado do colega, de camisa social verde-escuro.
Questionado como era feito o esquema, Paulo disse que o interessado repassava o vale transporte para ele revender os créditos. O acordo é devolver o cartão ao dono no fim do mês e pagar 50% do benefício acumulado. Ou seja, se um cartão tem R$ 1 mil de saldo, o responsável pela venda ficará com R$ 500 e dará os outros R$ 500 ao beneficiário. “Não tem risco. A gente tem o telefone de todo mundo e depois é só marcar para devolver”, explicou. O esquema é feito à vista de todos, sem nenhuma fiscalização por parte das empresas de ônibus.
Duas versões
Já dentro do ônibus, o passageiro devolve pela janela o vale transporte , que será utilizado por vários outros compradores na sequência
O Correio entrou em contato com a Central de Atendimento da Fácil para verificar a legalidade da transferência do crédito. Supondo ter R$ 400 acumulados, a reportagem questionou como poderia recuperar o dinheiro, já que não mais precisaria do benefício. Em resposta, uma atendente disse: “Você não tem o que fazer, só pode gastar no ônibus. Uma vez depositado com o número do seu CPF, não há como transferir o crédito. Nós também não podemos reembolsar em dinheiro. Com o Cartão Cidadão é a mesma coisa”.
O procedimento para uso do cartão vale-transporte, entretanto, é diferente. Segundo atendentes da Fácil, apenas o crédito é intransferível. “Ele não pode ser repassado para uma outra pessoa, para um outro cartão. Agora, no caso do cartão físico, ele é de responsabilidade do dono. Então, se ele quiser vender, doar, passar o cartão para outra pessoa usar, ele é quem decide. Mas, em caso de roubo, apenas o proprietário poderá pedir o bloqueio”, justificou.
Segundo a assessoria de imprensa do Transporte Urbano do Distrito Federal (DFTrans), a legislação diz claramente que a venda de vale-transporte é ilegal, entretanto não existe uma regulamentação jurídica para tratar o assunto no sentido de estabelecer que tipo de infração a pessoa cometeu. Não há ainda uma conduta firmada no âmbito da fiscalização.
Questionado sobre o problema, o gerente da Fácil, Júlio Antunes, ao contrário do que informaram as atendentes pelo telefone, confirmou que o cartão é pessoal e intransferível. Ele explicou que a empresa faz a compra na Fácil para o funcionário, de acordo com a quantidade de viagens que ele teria de pagar para ir ao trabalho.
O benefício é depositado todo o mês pelo empregador. Se o funcionário não gastou tudo, ele não tem opção de vender para terceiros. “Fazemos relatório mensalmente e bloqueamos os cartões quando identificamos a irregularidade. Além disso, abrimos processo administrativo e informamos às empresas”, disse ele. Antunes garantiu que a Fácil tem controle dos cartões e de quantas vezes eles são passados na leitora eletrônica do coletivo. Segundo ele, a pessoa que entregou o vale transporte a terceiros pode perder o benefício. Quem comprou pode ainda ser acusado de furtar o cartão, mas o gestor da Fácil disse que casos assim “são remotos”. Antunes afirma que a fiscalização das empresas — a mesma que verifica horário de chegada e saída dos ônibus nas rodoviárias — deve coibir esse tipo de ação.
Memória
Convênio inadequado
Após vários problemas com o crédito do passe estudantil no ano passado, o GDF anunciou a pretensão de encerrar o convênio com a Fácil e de abrir licitação para a contratação de nova operadora. A decisão foi tomada a partir de análise da Procuradoria-Geral do DF, que considerou inadequado o convênio com a empresa. Uma auditoria constatou a existência de 7 mil cartões duplicados, que acabaram cancelados. A suspeita era de que os beneficiários faziam recargas simultâneas em viagens de ônibus e de metrô.
A auditoria ocorreu a partir do momento em que os estudantes tiveram dificuldades para fazer a recarga dos créditos. Em março, o depósito foi suspenso por saldo insuficiente da empresa, que pediu R$ 2 milhões a mais à Secretaria de Fazenda do DF para atender a demanda. No mês seguinte, o serviço acabou novamente suspenso. O GDF informou que os R$16 milhões previstos para durar o ano todo acabaram em dois meses. Com base nisso, o Tribunal de Contas do DF determinou à Secretaria de Transportes a realização de uma inspeção em regime prioritário para verificar o convênio entre a Fácil e o GDF, firmado em 2007.
No processo, o órgão observou aparente conflito de interesses, uma vez que a empresa é representada pelos operadores do Sistema de Transporte Público Coletivo, mais especificamente Wagner Canhedo Filho, Eduardo Queiroz Alvez e Victor Foresti. Os três são donos de empresas de ônibus, as mesmas que recebem os recursos. São os empresários que determinam o valor da tarifa a ser descontado dos cartões.
Para saber mais Do papel ao cartão
O vale-transporte foi instituído pela Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985. Conforme o artigo 1º, a norma estabelece que o empregador, pessoa física ou jurídica, poderá antecipar ao trabalhador o benefício para uso efetivo em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, mediante celebração de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho. O vale-transporte até então era de papel, mas começou a ser substituído pelo cartão eletrônico em 2008 em Brasília. Atualmente, mais de 150 mil pessoas utilizam o benefício no DF.
Após vários problemas com o crédito do passe estudantil no ano passado, o GDF anunciou a pretensão de encerrar o convênio com a Fácil e de abrir licitação para a contratação de nova operadora. A decisão foi tomada a partir de análise da Procuradoria-Geral do DF, que considerou inadequado o convênio com a empresa. Uma auditoria constatou a existência de 7 mil cartões duplicados, que acabaram cancelados. A suspeita era de que os beneficiários faziam recargas simultâneas em viagens de ônibus e de metrô.
A auditoria ocorreu a partir do momento em que os estudantes tiveram dificuldades para fazer a recarga dos créditos. Em março, o depósito foi suspenso por saldo insuficiente da empresa, que pediu R$ 2 milhões a mais à Secretaria de Fazenda do DF para atender a demanda. No mês seguinte, o serviço acabou novamente suspenso. O GDF informou que os R$16 milhões previstos para durar o ano todo acabaram em dois meses. Com base nisso, o Tribunal de Contas do DF determinou à Secretaria de Transportes a realização de uma inspeção em regime prioritário para verificar o convênio entre a Fácil e o GDF, firmado em 2007.
No processo, o órgão observou aparente conflito de interesses, uma vez que a empresa é representada pelos operadores do Sistema de Transporte Público Coletivo, mais especificamente Wagner Canhedo Filho, Eduardo Queiroz Alvez e Victor Foresti. Os três são donos de empresas de ônibus, as mesmas que recebem os recursos. São os empresários que determinam o valor da tarifa a ser descontado dos cartões.
Para saber mais Do papel ao cartão
O vale-transporte foi instituído pela Lei nº 7.418, de 16 de dezembro de 1985. Conforme o artigo 1º, a norma estabelece que o empregador, pessoa física ou jurídica, poderá antecipar ao trabalhador o benefício para uso efetivo em despesas de deslocamento residência-trabalho e vice-versa, mediante celebração de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho. O vale-transporte até então era de papel, mas começou a ser substituído pelo cartão eletrônico em 2008 em Brasília. Atualmente, mais de 150 mil pessoas utilizam o benefício no DF.
Fonte: Braziliense
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